A síndrome do impostor no trabalho: como reconhecer e superar a sensação

A sensação persistente de não ser capaz o suficiente, mesmo quando há resultados concretos que mostram o contrário, tem se tornado cada vez mais comum em ambientes profissionais competitivos. Conhecida como síndrome do impostor, essa experiência subjetiva se manifesta quando a pessoa acredita que suas conquistas não são legítimas e teme ser “descoberta” como menos competente do que aparenta. No trabalho, onde metas, avaliações e comparação com colegas fazem parte da rotina, essa insegurança pode ganhar proporções relevantes.

A síndrome do impostor não aparece como diagnóstico formal em manuais psiquiátricos, mas é reconhecida por pesquisadores desde a década de 1970 como um fenômeno psicológico vinculado ao perfeccionismo, à autocrítica elevada e à dificuldade de reconhecer o próprio mérito. Estudos recentes mostram que o problema afeta profissionais qualificados em diferentes áreas: saúde, tecnologia, docência, pesquisa, gestão corporativa e posições de liderança — com prevalência ainda maior entre mulheres e pessoas de grupos historicamente sub-representados.

Compreender seus sinais, impactos e formas de enfrentamento é um passo importante não apenas para indivíduos, mas também para empresas que buscam ambientes mais saudáveis e produtivos.

Por que falar em síndrome do impostor no trabalho hoje

Nos últimos anos, mudanças significativas no mercado de trabalho ampliaram as condições para que a síndrome do impostor se tornasse mais evidente. A cultura da alta performance, os ciclos acelerados de entregas, a comparação constante impulsionada por redes sociais profissionais e a exigência crescente por especialização compõem um terreno fértil para sentimentos de inadequação.

Diversas pesquisas realizadas em universidades norte-americanas e europeias indicam que entre 60% e 70% das pessoas terão, em algum momento, experiências associadas à síndrome do impostor. Em cargos de liderança, esse número pode ser ainda maior. Mulheres, especialmente em áreas de maioria masculina, relatam mais sinais, assim como profissionais negros e integrantes da comunidade LGBTQIA+, em contextos organizacionais onde ainda enfrentam barreiras estruturais e vieses de avaliação.

No Brasil, estudos conduzidos em escolas de negócios e polos de tecnologia também mostram aumento da discussão sobre o tema, não por modismo, mas porque o fenômeno afeta produtividade, bem-estar emocional e tomada de decisão — áreas centrais para a saúde corporativa.

O que é a síndrome do impostor

A síndrome do impostor é definida como um padrão persistente de pensamentos e sentimentos em que a pessoa questiona sua própria competência, atribui conquistas a fatores externos — como sorte, contexto favorável ou excessivo esforço — e vive com medo constante de não corresponder às expectativas dos outros.

Ela não surge apenas em momentos de fracasso. Pelo contrário: costuma aparecer justamente após conquistas significativas, como promoções, novos cargos, aprovação em seleções competitivas ou entregas de destaque. Mesmo nesses cenários positivos, a pessoa sente que “não sabe o suficiente” ou que, a qualquer momento, alguém perceberá que ela não deveria estar ali.

Trata-se de um fenômeno multifatorial: envolve traços de personalidade, histórico de vida, crenças internalizadas na infância, experiências acadêmicas e fatores culturais ligados às expectativas de sucesso no trabalho.

Como ela se manifesta no ambiente de trabalho

Pensamentos e emoções mais comuns

No dia a dia profissional, a síndrome do impostor se expressa por meio de dúvidas persistentes sobre o próprio desempenho. É comum que a pessoa interprete elogios como exagero, receba feedbacks positivos com desconfiança ou acredite que suas entregas não são realmente boas, mesmo quando os resultados são consistentes.

Além disso, o medo de não estar à altura do cargo, a sensação de “enganar” as pessoas ao redor e a percepção de ter chegado até ali por sorte — e não por competência — são sentimentos recorrentes entre quem vivencia o fenômeno. Esses pensamentos podem gerar ansiedade, dificuldade de relaxar e uma vigilância constante em relação ao próprio desempenho.

Comportamentos frequentes

Esses sentimentos costumam influenciar o comportamento. Muitas pessoas se tornam extremamente perfeccionistas, acreditando que precisam entregar sempre mais do que o esperado para “compensar” uma suposta falta de habilidade. Outras desenvolvem procrastinação, não por preguiça, mas por medo de falhar ou de não atingir padrões elevados demais.

Há também quem evite desafios, recuse promoções ou fuja de oportunidades que poderiam trazer visibilidade. Paradoxalmente, alguns profissionais respondem à insegurança com excesso de trabalho: jornadas longas, dificuldade de delegar e pouca capacidade de estabelecer limites. Essas estratégias, embora funcionem temporariamente, aumentam o risco de esgotamento a médio prazo.

Fatores que favorecem a síndrome do impostor

A síndrome do impostor não surge de uma única causa. Ela é resultado da interação entre fatores individuais e organizacionais. Ambientes de trabalho altamente competitivos, com expectativas pouco claras e cultura de comparação constante, favorecem o desenvolvimento desse padrão. Falta de feedback estruturado, comunicação interna frágil e estilos de liderança baseados apenas em cobrança reforçam a sensação de inadequação.

Aspectos sociais também influenciam.Vieses de gênero, raça e idade contribuem para que determinados grupos sintam maior pressão por provar sua competência continuamente. Profissionais que estão ingressando em uma nova área, mudando de carreira ou assumindo funções de grande responsabilidade também estão mais vulneráveis.

Do ponto de vista individual, traços como perfeccionismo, autocobrança elevada ou histórico de conviver com expectativas rígidas durante a formação podem predispor a pessoa a interpretar situações neutras como sinais de fracasso iminente.

Impactos na carreira, na saúde mental e nas empresas

A síndrome do impostor costuma gerar ansiedade, estresse constante e dificuldade em desfrutar das próprias conquistas. A busca por perfeição pode evoluir para sobrecarga, insônia, irritabilidade e, em casos mais intensos, sintomas de burnout. Quando prolongada, essa vivência interfere também na autoestima e na capacidade de confiar em si mesmo.

Profissionais que convivem com essa sensação tendem a evitar novos desafios, deixam de se candidatar a oportunidades e hesitam em participar de projetos de maior visibilidade. A autossabotagem se torna frequente, o que limita o desenvolvimento da carreira mesmo quando há potencial e competência.

As empresas também são afetadas. A síndrome do impostor leva à diminuição do engajamento, perda de inovação e dificuldade para reter talentos. Além disso, sobrecarrega profissionais de altodesempenho, que acabam assumindo entregas adicionais na tentativa de compensara própria insegurança. A médio prazo, isso impacta o clima organizacional e aumenta riscos de adoecimento emocional.

Como reconhecer a síndrome do impostor em si mesmo

Reconhecer o fenômeno exige atenção a padrões internos que se repetem. Perguntas como “eu sempre atribuo meus resultados a fatores externos?”, “sinto que não mereço estar onde estou?”, “tenho medo constante de que descubram minhas falhas?” podem ser úteis para identificar pensamentos típicos da síndrome do impostor.

É comum que a pessoa perceba um distanciamento entre como se vê e como é vista pelos outros. Se, mesmo com reconhecimento externo consistente, a sensação de inadequação permanece e interfere no bem-estar diário, vale considerar a possibilidade de se tratar desse fenômeno psicológico.

Sinais persistentes de ansiedade, insônia, esgotamento ou sofrimento emocional indicam a necessidade de buscar apoio profissional.

Estratégias para lidar com a sensação de não ser bom o suficiente

Ajuste da autopercepção

Registrar conquistas, elogios recebidos e resultados concretos ajuda a construir uma percepção mais equilibrada sobre si mesmo. Revisitar evidências reais de desempenho reduz a tendência de minimizar o próprio mérito. Aprender a receber elogios com naturalidade — sem justificar ou diminuir o que foi feito — é outro passo importante.

Manejo do perfeccionismo e da autocrítica

Estabelecer metas realistas e aceitar que erros fazem parte do processo de aprendizagem pode reduzir a pressão interna. A revisão consciente de padrões pessoais de exigência ajuda a interromper ciclos de autocobrança extrema. Em vez de buscar “ser perfeito”, o foco se desloca para o progresso contínuo.

Mudanças na rotinade trabalho

Organizar prioridades, dividir tarefas em etapas menores e estabelecer limites claros entre vida pessoal e profissional contribuem para o equilíbrio. Pedir ajuda quando necessário, compartilhar dúvidas com colegas de confiança e celebrar pequenas evoluções são atitudes que fortalecem a autoconfiança.

Rede de apoio e recursos profissionais

Conversar com lideranças acessíveis, participar de mentorias ou grupos de discussão e, quando necessário, buscar acompanhamento psicológico são estratégias que ajudam a elaborar os sentimentos e desenvolver ferramentas de enfrentamento mais saudáveis.

O que líderes e equipes de RH podem fazer

Ambientes emocionalmente seguros contribuem para reduzir a síndrome do impostor. Práticas de feedback estruturado, reconhecimento transparente e comunicação clara sobre expectativas são fundamentais. Programas de saúde mental, capacitação de lideranças e iniciativas de diversidade e inclusão também desempenham papel relevante.

Quando empresas reconhecem que inseguranças fazem parte da experiência humana — e que falar sobre isso não é sinal de fraqueza — criam condições para que talentos se desenvolvam com confiança e estabilidade.

Quando buscar ajuda especializada

Quando os sinais são intensos ou persistem por períodos prolongados, interferindo no humor, no sono, no desempenho ou nas relações pessoais, procurar apoio psicológico ou médico é importante. Profissionais qualificados podem ajudar a diferenciar inseguranças pontuais do padrão repetitivo que caracteriza a síndrome do impostor e oferecer estratégias terapêuticas adequadas.

Buscar ajuda não diminui ninguém. Ao contrário: representa compromisso com o próprio bem-estar e com uma trajetória profissional mais equilibrada e sustentável.

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